Digital Ameríndio, mas qual?1. Introdução2. Uirapuru3. Fora de si4. Não tem trumpete5. Lombroso6. Tempo liso7. 87 dias numa quarta8. American Big Foot Mouse Mouse Joe9. The last timedigitalamerindio@gmail.com
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É com grande palpitância que voltamos ao ar (ou terra) depois de meses meio desativados, e liberando neste volume o último disco do Digital Ameríndio (ou bardo) e ainda por cima com uma brilhante entrevista concedida pelo bardo-ele-mesmo.
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Entrevista
Bonifrate - Bardo, deste quando tens o pé em toda essa psicadelia? Poderias proferir algumas vãs palavras sobre a origem do Universo, recriada talvez por experimentos magnéticos rústicos ou por socializações primárias inusitadas, porém concretas, do mundo udigrudi?
Digital Amedíndio - Sim, eu estou pensando (BARRETT, 1970). Acho que uma das últimas experiências de róque que tive foi por volta do século XVI, na Basílica de São Marcos, em Veneza (pois, assim como o pequeno Nietzsche, eu também queria ser tipo um punk-pastor protestante nessa época), com aquele lance do Giovanni Gabrieli, de colocar em cada salão um grupo diferente e todos tocando ao mesmo tempo. Mas, primeiro, o Walter Franco me falou que isso tinha sido feito muito antes pelo Stockhausen, imitando o Ornette Coleman, que por sua vez copiava o Pavement que, como bom rapte-me cameloa que era, andou plagiando a Orquestra Tonguemische ("que influenciou toda essa galera", segundo o Caetano, ou não). Eu planejei pra que tudo isso começasse daqui a duas semanas, mas acho que ainda faltam uns treze ou catorze (ou quatorze?) dias, maus ou menos, pra Mouse on Mars. Ou antes, aquele bando desalmado do Hammas, Farkas e OLP tem que ser zoado ("de uma maneira escrota", terceiro o Pancita).
B. - Quando te conheci, tocavas uma guitarra de brinquedo plugada num pedal Heavy Metal da Boss (se não me falha a memória) num concerto do Lava-Jato. Daí até o Primeiro Festival da Canção Trovadélica de 2008, em São Paulo, é possível tentar estabelecer alguma sorte de linearidade? A noção de um crescendo que leva ao clímax deve ser completamente descartada em função de uma distribuição aleatória ou mesmo (livre)arbitrária de pontos coloridos no espaço-tempo?
D.A. - Bardo, essa eu preciso te contar, saca só: joguei no DeLorean a casca de banana que eu pisei e numa dobra espaço-temporal sem qualquer existência conferi que se tratava, de fato, de um pedal DOD Super American Metal. Isso é importante, porque esse lance de Digital Ameríndio, como sempre, veio só depois. Ou antes, o "ameríndio" veio depois do "digital" como um destino, um amor fati. Ou antes, um eterno retorno às pressas do recalcado em si próprio sem dó, ou linguagem que o designe.
B. - Em 1999, terminavas de gravar o álbum A incomensurável piração psicodélica, degenerativa, transgênica e generalizada, do bizarro mundo mágico de Orleans e Braguilhas, até onde eu sei, inteiramente gravado num porta-estúdio de quatro canais. O aparelho acabou dando defeito, como de costume? Sentes saudades como eu sinto? Sei que há alguma diferença entre o velho procedimento magnético de gravação e o processo digital do disco, mas qual?
D.A. - Qual o quê?! O disco? Mas a "incomensurável doideira de pedra" (BONIFRATE, 2009) levou à morte dois quatro canais: um Yamaha (com esse fiquei só uma semana e depois troquei) e dois Fostex: o modernoso XR3 e, o melhor de todos, o antológico Fostex X15, que ficou conhecido nas internas, nas externas e na superfície que conecta o dentro e o fora como "Zé Pretinho". Passei tantos anos afoito por um portaestúdio e sem um p%&$uto no bolso que, quando consegui as pilas, meus dedos pareciam tensos e pesados, destruindo, uma a uma, as teclas daquelas maravilhosas maquininhas. Por conta de toda essa excessiva falta de ductilidade fui levado a mixar as experimentações às pressas (essa Odisséia, desde a aquisição do primeiro portastúdio até a mixagem, pra salvar os restos do terceiro, durou uma semana de 1999 e 50 gramas de adubo).
Mas qual não foi minha surpresa ao me deparar com um computador, alguns anos depois... Passei pra CDr as paradas de 1999 e batizei ("A I. P. P., D., T. e G., do B. M. M. de O. e B."), além de produzir um EP muito tarde (que gravei em 2007, mas só publiquei, na Tramavirtual, em 2008). E esse lance, aconteceu entre uma coisa e outra, mas qual? O lance do nome Digital Ameríndio, que pra mim é tipo os nomes dos caras do Gong. Como o processo é infinito, há lance novo em curso, mas qual? foi o último álbum mas não será o último álbum, se Zeus quiser... Ou antes esse lance de "bardo" que, ao contrário dos trovadores (que tocavam para a aristocracia), atualizavam um protesto implícito contra os signos mundanos, ao tocarem para (e com) o povo.
B. "A grande inimiga da Renascença, do ponto de vista filosófico e científico, foi a síntese aristotélica, e pode dizer-se que sua grande obra foi a destruição dessa síntese.” (KOYRÉ, Alexandre, 1982). Considerando a máxima de Alexandre Koyré, um tanto demodé, mas positivamente blasé, me explique como tu achas que um pós-modernismo esdrúxulo, sem a mínima unidade de pensamento, pleno de artistas que expõem paredes descascadas e vasos sanitários ornados como altares para Barbara Straissand (sick) pode mesmo começar a sonhar com a destruição de uma síntese cartesiano-galilaica-prometéicadesacorrentada-prozaquiana, mais beligerante que o divórcio escroto da Susana Vieira (que não pôde votar em Barrack Obama),
mais inusitada que uma analogia entre a Faixa de Gaza e o Haight Ashbury, e mais zoada que o Metrô Santana (PANCITA, Rica, 1947)?
D.A. - A esse respeito, obviamente, há somente quatro (ou, no máximo, dois) fatores inegáveis, que se distinguem mas não se separam:
- Não há destino; somos nós que fazemos (CONNOR, Sarah. Em: O exterminador do futuro 2)
- Nós, não podemos mudar o destino (CONNOR, John. Em: O exterminador do futuro 3)
- Nós não são laços e os laços não são dobras espaço-temporais; de onde deriva um segundo paradoxo: noz não é cérebro, mas é também (AMERINDIO, 1966); o que "também" nos leva de volta à questão do "antes de nada eu gostaria de falar..." (MAÇÃ, 2020).
Para tanto é necessário que o "anterior" e o "posterior" se expressem apenas como vetores de articulação diferencial entre séries heterogêneas de significantes singulares (basta lembrar dos exemplos: "respiro enquanto durmo" e "durmo enquanto respiro", que só designam um mesmo estado de coisas quando manifestos pelo Caxinguelê de Carroll [2002], embora o sentido singular do acontecimento se ramifique em séries divergentes). Neste caso, como diria Borges (1972), "asseguram os ímpios que o disparate é normal na Biblioteca e que o razoável (e mesmo a humilde e pura coerência) é quase milagrosa exceção" (p. 92). De onde nada resta, senão concluirmos que a palavra ritmo deriva do grego rythmos - que significa fluidez - e que a palavra arithmos (de onde deriva a aritmética) indica, na física de Aristóteles, a estrutura numérica do movimento. Ou antes, parafraseando Girafalles (s.n.t.), neologistica e redundantemente, a aritmétrica...
"Chega!" (VELOSO, C., 1968).